sexta-feira, 27 de abril de 2018

Resenha: “Por Onde Andam As Pessoas Interessantes?” (Daniel Bovolento)


Por Kleris: Fiz o caminho inverso – li primeiro Depois do Fim (reveja resenha aqui) – o que se revelou uma experiência interessante, ver o Dan mais “novinho”, mais incerto, à procura do tom ou do caminho a seguir, mas já mostrando de cara seu ouro: a escrita

Despretensiosa, fui saboreando-a devagar no dia a dia – aliás, vou sentir falta da acolhida após minhas caminhadas – de maneira seus pequenos textos foram trabalhando diversas de minhas acepções. Acho que é esse o ritmo natural das crônicas na rotina: um dia de cada vez, alguns textos por vez, uma boa companhia para pausar um pouquinho e ir além da realidade sem sair totalmente dela. 

Prepare os marcadores adesivados (de novo) – você vai precisar de muitos deles.
Se você reparar bem nas ruas, em toda multidão, os rostos que você não conhece, um dia, poderão fazer parte do seu mundo. São todos estranhos procurando uma chance pra deixarem de ser, pra tomarem função e papel na vida de alguém, às vezes até na própria. [...] Nós, os estranhos, só queremos deixar esse vício de anda-pra-lá-anda-pra-cá, para finalmente conhecer alguém que nos dê nome.


Fora de um roteiro manjado, as 45 crônicas traçam umas perfeitas histórias imperfeitas. São relatos, intervalos, fluxos de pensamentos, confissões, conversas... Vários deles carregados de platonismos, autossabotagens diárias, algumas bads, e, sim, aprendizados. Diria que o livro não se pauta tanto pelo cotidiano, mas pela zona de conforto. Na verdade, uma busca de conexões frente à nossa zona de conforto. É nessa forte resistência ou mesmo na falta dessa desejada ligação, que muitas vezes deixamos o imaginário tomar conta, seja para o bem, seja para o mal. 

[...] só porque acontece dentro da sua cabeça, quer dizer que não seja real? É real pra burro. Você já sentiu isso. E, se não sentiu, paciência. É só questão de tempo. 

A gente acaba se prendendo tanto ao que poderia ter acontecido, que arrasta uma culpa imaginária a toa. E se culpar pelo que não pode ser desfeito é um daqueles errinhos bobos que fazem da gente um pouco infeliz num mundo em que a vida já não está fácil.


O livro segue um caminho natural de fases. Estações conhecidas, agasalhos emocionais, relutâncias (in)voluntárias, que, apesar de nos fazer sentir gente como a gente, estão ali para contribuir para nosso despertar. Nesse processo, assim como a vida, Dan nos dá e nos toma “pessoas”. Da fantasia ao primeiro passo de sair dessa zona confortável – mas já não tão agradável – é que vivemos as possibilidades e nos medimos pelas expectativas. 
A gente sempre abafa o que tenta incomodar a apatia com algum som familiar, com alguma memória preenchida ou com a desculpa de que a gente tá sempre ocupado e não pode prestar atenção. Eu, assim como um monte de gente, não quero sair da inércia, não quero sair daquele limbo sentimental, a menos que alguém me puxe. 
E, de repente, é um fracasso. A gente não entende. Por quê? Tava tudo tão certo, tudo tão exato, a fórmula era aquela, o espetáculo parecia tão atraente no folhetim e fuén. 
No fim do dia, sabe quando você chega em casa, tira os sapatos, bebe um cappuccino quente e sente o corpo todo esquentar? Sou essa sua sensação.

Dose a dose, entre ideais, tantas buscas e esperanças, Dan tem uma escrita sincera que te agarra de pronto. Vai falar daquilo que a gente não admite, daqueles conflitos que a gente tenta se sobrepor, do apego que nos bagunça, de como a gente insiste em agradar pessoas antes de nós mesmos, e dá lição, a sua maneira, como sobre ser inteiro e não metade. A sensação mesmo é de “se dar conta”. É uma leitura que sugere olhar pra si, mesmo depois de olhar pro outro, e se questionar se é ou não pra ser, em um exercício de autoconsciência. Exercício esse que lembra um pouco de Do que eu falo quando falo de corrida (aqui), do Murakami. 
Você nunca quer se molhar; quer sempre se sentir seguro, quer pintar e bordar nessa figura íntegra e imponente de quem não sente nada e tá tudo bem. Tá tudo bem? Tá nada, não adianta mentir pra mim [...] 
A gente é o corredor, não a sala. É a maçaneta ou o corrimão. Somos caminho, nunca o destino final. Tem gente que pira quando percebe isso, porque, ao contrário do que o outro sente, talvez a gente veja nele uma droga de uma porta, um caminho final, uma faixa de chegada. E as expectativas não batem.

Embora muito se queira, também muito nos contentamos, muito tentamos fazer algo dar certo ou fazer algo acontecer sem, na real, pensar sobre o esforço necessário – e um esforço de duas vias. Nesse sentido, alguns textos já se aproximavam do limbo de Depois do Fim, fazendo de Por Onde Andam As Pessoas Interessantes? uma grande e excelente introdução. 
Uma das manias mais dolorosas que a gente tem é de sempre renunciar a uma história inteira por conta da forma como ela acaba. 
Percebi que amor nenhum dá certo quando a gente precisa se esforçar pra fazer acontecer a mágica. 
Só com o tornozelo torcido, na última consequência do acontecido, foi que percebi o que estava na minha cara. Que não adianta insistir quando a forma não cabe na gente. Às vezes até cabe, mas depois de um tempo incomoda.

Recomendadísssssimo! Leitura para revisitar sempre :) Apesar dos comentários sobre a capa do livro ter traços “infantis”, gosto dela. Gosto por inteiro da edição. Já mal posso esperar pelo terceiro livro – em processo de publicação.

Abaixo, a playlist que ambienta todo o livro <3 
Mais importante que isso tudo: que você exista. E que não demore tanto pra chegar à minha vida. 
E aí que mora o problema: quando eu percebo. Depois que a gente percebe, não dá mais pra ignorar, e começa a acontecer de a gente perceber mais ainda.




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Ana Liberato