sexta-feira, 30 de junho de 2017

Resenha: “Romancista como vocação” (Haruki Murakami)

Tradução de Eunice Suenaga
Por Kleris: Trabalhar com livros é se envolver com sonhos de muitos. Expectativas. Universos compartilhados. Na literatura então, temos um vasto campo de mundos e entremundos para os quais somos transportados. Ao longo do fazer literário, surgem aqui e acolá alguns livros que se dedicam a tais passeios – é, aliás, um tipo de viagem que curto muito – e Romancista como vocação, do Haruki Murakami, é um desses livros.

Geralmente de ensaios, essas leituras trazem reflexões sobre uma experiência da vida literária. Há aqueles que brinquem, que pautem uma discussão mais séria, uns mais técnicos, outros que voam alto demais... Lembro-me de um trecho de O céu de Lima (Juan Gómez Bárcena), também da editora Alfaguara (resenha aqui), que mencionava livros/guias para escritores, comumente ignorados por eles mesmos, por não curtirem as supostas “amarras” ali descritas (o que pode, não pode, dentro da literatura). 

Mas, por mais que você não conheça o trabalho do Murakami (como eu), com certeza Romancista como vocação não está dentre estas categorias. Sua humildade, carisma e senso nos entregam uma leitura bem equilibrada do ofício de romancista. 
No mundo existem pessoas que montam a maquete de um navio dentro de uma garrafa usando uma longa pinça, e demoram quase um ano nessa tarefa. Escrever romances talvez seja parecido. 
Ao fazer um romance, os escritores geralmente convertem em narrativa o que existe no interior da sua consciência. O que existe na consciência e o que foi expresso são diferentes, e eles usam essa diferença como uma alavanca para criar o dinamismo na narrativa. É um trabalho cheio de rodeios, que demanda muito tempo. 
Em minha opinião, quem quer ser escritor precisa ler muito, antes de qualquer coisa. Peço desculpas pela resposta bastante trivial, mas acho que a leitura é o treinamento mais importante e indispensável para quem quer escrever. Para fazer um romance é preciso compreender, de forma quase física, como eles são formados. É uma coisa óbvia; é o mesmo que dizer: “Para fazer uma omelete, é preciso quebrar os ovos”. [...] Passar por essas experiências é o mais importante. Corresponde a criar a bagagem indispensável para um romancista.

Acho que o que mais gostei neste livro foi esse caráter sóbrio para tratar do escritor em termos de vocação e trabalho. Minha sensação foi de ter lido uma resposta para uma interrogação “bem bomba” (como costumo fazer lá na coluna), um desafio que o autor aceitou de boa – ou pelo menos uma conversa bem informal, com direito a suco e biscoitos, no sofá de sua casa. Murakami me pareceu esse hospitaleiro. 
Os romancistas possuem muitos defeitos, mas em geral têm coração aberto e são generosos com a entrada de pessoas de fora. 
Uma das coisas incríveis de ser romancista é a possibilidade de me desenvolver e inovar, mesmo com cinquenta, sessenta anos. Quase não há limite. Diferente do que acontece com atletas, por exemplo. 
Produzem romances as pessoas que desejam escrever, que não conseguem ficar sem escrever. E elas continuam escrevendo romances. Claro que, sendo escritor, aceito essas pessoas de coração aberto. 
Todos os escritores têm o direito de experimentar as possibilidades da língua através de todas as formas imagináveis e ampliar ao máximo o limite de sua eficácia. Sem esse espírito aventureiro, nada de novo será criado.

Com diversas pautas (características dos romancistas, início de carreira, prêmios literários, o fazer literário, as dúvidas mais comuns, a relação com o público, fatores exteriores à criação, fronteiras físicas e não físicas, hábitos de leitura no Japão, e outros), Haruki desenvolve os tópicos, conta diversos causos, aprendizados da carreira, dá seus pitacos, e não deixa de assumir suas ideias. Diversas vezes ele me pôs a pensar sobre situações com autores e certos conflitos, além de algumas atitudes “pé no chão” quando se trata de seguir seu próprio caminho. 
Esse seu modo de pensar não é egoísta? Sim, naturalmente é um modo de pensar bem egoísta. Não tenho como contestar. Eu aceito as críticas com resignação. 
Podem me criticar, podem me louvar, podem me atirar tomates, ou até uma linda flor; eu só consigo escrever – e viver – dessa forma. 
Naturalmente o tempo que uso para escrever é importante, mas o tempo em que não faço nada também é. [...] Acontece o mesmo com romances. Se o período de cura não for suficiente, teremos um produto frágil que não secou bem ou cujos materiais não foram bem misturados.

A maneira com que Haruki escreve, desperta fácil nossa percepção, confiança e respeito. É ousado, resiliente até, sem deixar de ser simples. E sua realidade não está tão distante da nossa, desde as flores às falhas que o mercado de publicação possui. 
Nem preciso dizer que o que fica para a posterioridade são as obras e não os prêmios. Creio que poucas pessoas do mundo se lembram da obra que ganhou o prêmio Akutagawa dois anos atrás ou do escritor que ganhou o Nobel três anos atrás. Você lembra? Mas, se uma obra for realmente boa, ela resistirá ao teste do tempo e será lembrada para sempre. [...] O prêmio literário pode acrescentar brilho a uma obra específica, mas não consegue lhe oferecer vida. 
[...] mesmo que a narrativa seja criada com materiais limitados, ainda existem possibilidades infinitas (ou quase infinitas). [...] Assim, mesmo que você pense: Não possuo os materiais necessários para escrever romances, não precisa desistir. Se mudar um pouco a perspectiva, o modo de ver as coisas, perceberá que muitos materiais estão espalhados à sua volta. Eles só estão esperando que você os perceba, recolha e utilize.

Gostosinho de ler, Romancista como vocação é um livro curto que vai num sopro. É, de fato, um presente para fãs, jovens romancistas e aficionados por literatura (texto de orelha). Vale, inclusive, deixar muitos marcadores ao lado. Você vai precisar. 
E desejo que, se possível, os meus leitores sintam a mesma coisa. Quero abrir uma nova janela na parede de seu coração e levar um ar novo até ele. É o que eu penso e desejo, sempre que estou escrevendo. Do fundo do coração, de forma bem simples. 
Às vezes recebo cartas curiosas dos leitores. Alguns dizem: “Li o seu último livro e fiquei desapontado. Infelizmente não gostei muito dele, mas com certeza vou comprar o seu próximo livro. Estou torcendo por você”. Para ser sincero, gosto de leitores assim. Sou muito grato a eles. Na nossa relação, com certeza existe uma sensação de confiança. Penso: é justamente para esses leitores que preciso escrever o meu próximo livro, com seriedade. E desejo sinceramente que o novo livro possa de fato agradá-los. Mas, como não posso agradar a todos, não sei como vai ser.

Murakami me ganhou totalmente; só falta mergulhar em um de seus livros de ficção pra confirmar minha impressão. Agora, com mais de 30 anos de produção criativa, quem diz que sei por onde começar?

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Para que os escritores realizem uma atividade criativa por vários anos, seja escrevendo romances ou contos, é imprescindível que tenham força para persistir. 
Mas a sorte é um simples ingresso. E o talento não é como compôs petrolíferos e minas de ouro. Não basta procurá-lo; o ingresso não é suficiente para levarmos uma vida confortável e fácil. [...] tudo vai depender do seu talento, do seu dom, das suas habilidades, do seu calibre, da sua visão de mundo ou, às vezes, simplesmente da sua força física. De qualquer forma, ter sorte não é o suficiente.


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Ana Liberato