segunda-feira, 6 de março de 2017

Resenha: “Mais Forte do que Nunca” (Brené Brown)

Tradução de Vera Lucia Ribeiro


Caia. Levante-se. Tente outra vez.


Por Kleris: Em A coragem de ser imperfeito, nos embrenhamos na pesquisa de Brené Brown sobre vínculos e sociedade (reveja resenha aqui), mais precisamente voltada para o estudo da vulnerabilidade – aquele estado de incerteza que nos faz recuar, hesitar, senão paralisar diante de uma perspectiva de medo (antes de começar algo novo, de tentar algo diferente, de enfrentar situações e problemas, dentre outros). Bem ambientados da teoria, de como o ser humano funciona e como reconhecer comportamentos – em sua maioria, destrutivos – Mais forte do que nunca surge no horizonte para trazer um panorama prático. E nem Brené, pesquisadora que comanda o estudo, está isenta destes experimentos.


É uma verdade quase universalmente conhecida que o ser humano, ao ter seu calo pisado, vai ter uma impulsão muito forte de revidar na mesma moeda, senão pior, e no mesmo momento. Cury já pontuara sobre isso (reveja resenha aqui), que nosso primeiro instinto é cultivar os sentimentos ruins (raiva, rancor, preconceito, ressentimento, vergonha, mágoa, sabotagem, compulsão, traição, etc), o que pode se considerar um “caminho fácil”, afinal, é natural.

Mas o ser humano é um ser pensante, ele pode escolher seu caminho. Se atacado, ele pode parar, averiguar o que está sentindo e pensar se vale a pena comprar a briga. No entanto, não somos estimulados o suficiente dentro da sociedade a trabalhar essas emoções, nem para si, tampouco de si para os outros. Infelizmente assistimos séculos a fio as pessoas se destruindo umas às outras em um círculo vicioso – e nocivo. Lá se vão a paz, a alegria, a criatividade, a confiança, o respeito, a fé...


A prática do que Brené chama de “dar a volta por cima” opera justo neste campo, em que se escolhe a verdade, o amor, a aceitação, a coragem, a ousadia... a vulnerabilidade. A gente quebra a cara e está tudo bem. Quando não seguimos o caminho fácil, adentramos a arena. Lá parece uma zona e tudo que a gente quer é fugir. Não é confortável; é, na realidade, extremamente difícil. Por outro lado, extremamente gratificante. É uma batalha diária pelo nosso bem. 
Quando paramos de nos importar com o que os outros pensam, perdemos nossa capacidade de estabelecer vínculos. Mas, quando somos definidos pelo que os demais pensam, perdemos a coragem de ser vulneráveis. A solução está em ter total clareza sobre quem são as pessoas que importam de verdade. 
É impossível dar a volta por cima quando estamos fugindo.

É muito comum ver pessoas com problemas, mas é bem incomum ver pessoas procurando respostas ou mesmo soluções – soluções verdadeiras, não paliativos. Isto porque muito disso envolve vergonha, receio, medo, privação, não compreensão do que está acontecendo. São dificuldades de todos os tipos e áreas (pessoais, familiar, profissionais, amizades). 
Preferimos que as histórias de queda e superação sejam inspiradoras e estéreis, e nossa cultura é repleta de relatos assim. Num discurso de trinta minutos, normalmente trinta segundos são dedicados a algo como “e então batalhei para dar a volta por cima” ou “E então conheci alguém especial”.
Gostamos que as histórias de recuperação passem depressa pelas partes sombrias para podermos chegar logo ao final feliz e redentor. [...] Mas abraçar essa ideia sem reconhecer o sofrimento e o medo que isso pode causar, ou a complexa jornada que está por trás da volta por cima, é dourar a pílula, maquiar a dura realidade.

É extraordinário ver alguém dando a cara a tapa como Brené. Em diversos casos discutidos, me identifiquei demais. As autossabotagens, o perfeccionismo, a vergonha, a luta para se desamarrar disso. Ri uns risos nervosos e interessantes diante de situações em que ela não exatamente parava pra entender o que estava acontecendo, mas daí a noção voltava à tona, ela observava qual era sua impulsão e então vinha algum tipo de epifania – porque é esse o processo de dar a volta por cima! – e ela lidava com aquilo. Abraçava a si mesma e acreditava que ia ficar bem.

Uma das coisas mais incríveis, além desta exaustiva prática, é a relação ficção e realidade que Brené explora. Os capítulos em que ela trata com diversos escritores, produtores (nem Shonda Rhimes escapa!) e criadores (da Pixar!), e ainda empreendedores, é de explodir a cabeça. E as expectativas invisíveis? Nussa! É tipo de coisa que tá tão na nossa cara e somos esses cegos! Como é difícil ser... humano! Como é difícil crescer!

E o cerne de tudo é essa famosa vulnerabilidade. 
De repente, quando eu estava na Pixar, enxerguei uma luz. Olhei para Ed e disse:
— Ah, meu Deus, já entendi tudo. Vocês não podem pular o segundo dia.
[...] O que acho mais chato a respeito do dia dois é exatamente o que Ed e a equipe da Pixar apontaram – é uma parte inegociável do processo. A experiência e o sucesso não oferecem a ninguém uma passagem tranquila pelo espaço intermediário. Proporcionam apenas um pouco de boa vontade, uma boa vontade que sussurra: “Isto faz parte do processo. Aguente firme”. [...] O meio do caminho é confuso, mas é também onde a mágica acontece. 
As pessoas que não permanecem no chão quando caem ou tomam uma rasteira costumam criar problemas. São difíceis de controlar. E esse é o melhor tipo de possível de pessoa perigosa: os artistas, os inovadores, os causadores de mudanças.

Muito do que está por trás de conflitos está relacionado às histórias que contamos a nós mesmos através de pedaços de outras histórias. Ex: ao ver a timeline das redes sociais, criamos uma fantasia absurda sobre quem são aquelas pessoas, como elas estão mais felizes, como estão se divertindo mais, tendo mais conquistas, mais status, mais tudo, independente de conhecer suas histórias de verdade ou não. Ao olhar para nossa vida, a comparação e competição se torna uma coisa acirrada – e estamos, aparentemente, perdendo. Bate um sentimento de insuficiência (não tenho isso, não tenho aquilo, não sou feliz, não sou boa o suficiente, não sou digna disso, não sou digna daquela pessoa), emergência (preciso disso agora, preciso ser essa pessoa, não quero ser eu mesma) e destruição (sou uma droga, não faço nada certo, não ganho isso). Chegamos, meus amigos, às famigeradas bads.

Mas assim como as baratas voadoras têm uma razão de existir sabe-se lá qual, mas, as bads têm sua razão no ciclo da vida – ainda muito mal interpretadas. Jout Jout mesmo já trouxe um tutorial sobre o assunto (vide aqui), uma dor que cura. O desconforto vem para trazer mudanças. Só que nem todos estão dispostos a entrar nessa arena e dar a volta por cima. É mais fácil acreditar nas mentiras que contamos a nós mesmos, não? É preferível nos engalfinhar ao invés de admitir o que estamos sentindo, não é mesmo?

The Arena, da artista Lindsey Stirling, segue uma filosofia muito semelhante de Brené


 No Brasil, Queda Livre, da banda Dead Fish, versa tão igual
que parece ter se inspirado no livro


Quando eu cai e beijei o chão
Vi em seus olhos algum
Brilho de prazer
Rastejei por algum tempo
Entenda isso foi muito
Bom pra mim!
Pude encarar minhas verdades
De frente pude ver
O quanto posso errar
Falhar e ver que pode ser muito natural

Você é covarde demais!
Pra entender
O quanto é intenso!
Agora todos os extremos
Insistir que o erro é dos
Outros!

Quando eu digo versão prática, não quero dizer que o livro traz atividades interativas pra se realizar – não é esse tipo de livro. Mais forte do que nunca traz estudos de casos para se encontrar, entender o processo, espelhar-se neles – se você escolher esse caminho. Brené novamente nos guia pelo mundo desconhecido da arena e nos mostra possíveis saídas para a verdadeira conquista. A nossa, literalmente, jornada de herói. 
Você pode não ter se candidatado à jornada do herói, mas, no instante em que caiu, quebrou a cara, sofreu uma decepção, meteu os pés pelas mãos ou ficou de coração partido, ela começou. Não importa se estamos prontos para uma aventura emocional – as mágoas acontecem. E ninguém está livre delas. Sem exceção. A única decisão que podemos tomar é sobre o papel que vamos desempenhar na própria vida: queremos escrever nossa história ou queremos entregar esse poder a outra pessoa? 
Cresci com um poço emocional seco. Eu não queria aprender mais sobre o assunto porque não sabia que havia mais a saber – não conversávamos sobre sentimentos. Não ficávamos vulneráveis. Se por acaso acontecesse de sermos tomados pela emoção de tal forma que surgisse uma brecha em nossa dura carapaça sob a forma de lágrimas ou uma expressão de medo, éramos prontamente lembrados, sem muita sutileza, de que as emoções não resolviam problemas – apenas faziam com que piorassem. Era ação, não o sentimento, que resolvia as questões.

Aliás, o livro é um desafio para o próprio (pré)conceito de livros autoajuda. A escrita da autora é audaciosa, e ao mesmo tempo fluída, gostosa e convidativa. Acredito ser o estudo mais completo e acessível até então. Você pode rir (e rir alto) sobre um tópico, ficar mais pensativa em outros e despertar gatilhos em tantos acolá. Pode ser sofrível, pode ser intenso. E ainda assim maravilhoso. É uma catarse atrás da outra. É... uma verdadeira redenção. 
O vínculo não existe sem o ato de dar e receber. Precisamos dar e precisamos precisar. 
Creio que o que mais lamentamos é a nossa falta de coragem – seja a coragem de ser mais bondosos, de nos mostrar, de dizer o que sentimos, de estabelecer limites, de ser generosos com nós mesmos. Por essa razão, o arrependimento pode ser o berço da empatia. Quando penso nas ocasiões em que não fui bondosa ou generosa, em que preferi ser aceita a defender alguém ou algo que merecia ser defendido, sinto profundo arrependimento.

Brené me faz desejar viver nesse mundo em que se exercitam constantemente as emoções, de maneira a acertar nossas arestas e fazer o melhor quanto aos nossos vínculos. Um mundo consciente, de si e dos outros, que aceita o desconfortável a fim de melhorá-lo, não de fugir. Fico imensamente feliz que esse mundo exista – apesar de um tanto longe – e que espalhe sua palavra de esperança de pouquinho a pouquinho através dos livros. Gostaria de vê-lo mais em discussão. 

OBRIGADA, SEXTANTE, POR TRAZER ESSE LIVRO MARAVILHOSO. 
OBRIGADA A TODOS OS ENVOLVIDOS <3

Não há maior ameaça para os críticos, os céticos e os disseminadores do medo do que aqueles que estão dispostos a cair porque aprenderam a se reerguer.
É bom saber que existem usos construtivos para todas aquelas conversas e planos de vingança que repito na minha cabeça ao deitar à noite.

Recomendo iniciar a leitura de A coragem de ser imperfeito antes de Mais forte do que nunca, só para se ambientar melhor nos temas abordados, porém, não vejo problema nenhum em inverter a ordem (até porque ao final de Mais forte..., há destaques de A coragem... como um fichamento, assim como outras tantas alusões conforme tópicos). Ambos são livros para estar na estante para qualquer momento de procura. Vale a leitura por mera curiosidade, vale pra vida. 
Aos corajosos e inconsoláveis que nos ensinaram a levantar depois da queda. A sua coragem é contagiante. 
Isso parece fácil, mas você se surpreenderia ao saber quantos nunca reconhecem os próprios sentimentos e emoções – apenas os descarregam. [...] A ironia é que, ao mesmo tempo que criamos distância entre nós e as pessoas ao redor, descontando tudo nos outros, ansiamos por laços afetivos mais profundos e por uma vida emocional mais rica.

Talvez a Brené seja a nossa Jout Jout versão acadêmica ^^ Maravilhosa assim.
Deixe uma leitora confabular...


Até a próxima!


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Ana Liberato