domingo, 31 de agosto de 2014

Resenha: A arte de ouvir o coração (Jan-Philipp Sendker)



Dizem por ai que não se deve julgar um livro pela capa, mas a pessoa que inventou isso provavelmente nunca viu a capa de “A arte de ouvir o coração”. Sério, eu acho que foi uma das capas mais lindas que eu já vi! Não tinha como não esperar coisa boa desse livro. 
 “Claro que não me refiro aos acessos de paixão que nos levam a fazer e dizer coisas das quais nos arrependeremos depois, que nos iludem a pensam que não podemos viver sem determinada pessoa, que nos deixam tremendo de medo só de pensar em perdê-la – um sentimento que nos empobrece ao invés de nos enriquecer, porque desejamos ter o que não podemos, manter o que não podemos.”
A história começa com Julia, que está a buscando alguma notícia do pai Tim Win, um advogado influente de Wall Street que saiu pra trabalhar um dia e nunca mais voltou. As únicas pistas de Júlia são o que a polícia havia descoberto até então: Ele pegou um voo pra Los Angeles, de lá pra Hong Kong, de Hong Kong seguiu pra Bangcoc e sumiu.
“É estranho, Júlia, mas uma confissão, uma revelação, é inútil quando vem no momento errado. Se vier cedo demais ela nos assusta. Não estamos pronto para ela e ainda não podemos valorizá-la. Se vier tarde demais a oportunidade é perdida. A desconfiança e a decepção já são grandes demais; a porta já está fechada.”
 Um dia, sem querer Julia encontra no meio de umas coisas do pai um envelope endereçado a uma cidade chamada Kalaw, na Birmânia. Julia sabe que o pai é birmanês, mas ele nunca contou nada a família sobre os vinte anos que viveu e cresceu na Birmânia.
Ao ler o conteúdo do envelope Julia descobre que é uma carta de amor pra uma mulher chamada Mi Mi, um amor tão devoto e entregue que ela mal consegue reconhecer o pai na carta.
Sem pensar duas vezes e decidida a reencontrar o pai seguindo a única pista que surgiu em anos, Julia segue pra Birmânia.
Lá ela se depara com um lugar totalmente diferente da Nova York em que vive. Kalaw é um vilarejo montanhoso com um povo muito tradicional e pacato, e a presença de uma turista americana não consegue ficar em segredo.
É quando está numa casa de chás, pensando em quais são suas opções e por onde deve começar a procurar pelo pai, que Júlia é abordada por um senhor que se apresenta brevemente e diz saber tudo sobre ela e o pai.
O velho é U Ba, antigo morador de Kalaw que conhece toda a história de Mi Mi e Tim Win. Meio perdida e sem saber o que fazer, Júlia se dispõe a ouvir a história de U Ba sobre seu pai.
O livro quase todo é a história de U Ba sendo contada, como Tim Win viveu, quem foram seus pais, por que ele foi embora da Birmânia, quem foi Mi Mi e o mais importante: onde está Tin Win agora?
Eu acredito que o autor criou a história apenas pra externas suas maravilhosas metáforas, reflexões e análises sobre o amor e a vida. Apesar dos mil furos na história contada por U Ba (depois de ler você para pra pensar e alguns fatos simplesmente não fazem sentido, mas ok) eu me deliciei com o livro. É daqueles que você não lê pela história e o final mega surpreendente (até porque o final é bem clichê), mas pelos bons momentos que o livro vai te proporcionar, pelos parágrafos que você vai ler e se identificar, pelos trechos que você vai querer grifar ou copiar e mandar pra algum amigo, pro namorado, pro marido... Enfim, é bem inspirador. Não se prenda tanto a história e sim em como ela vai ser contada.
 “Su Kyi esperava ser capaz de colocar Tin Win sob os cuidados dele também, para tirá-lo da escuridão que o incomodava, para ensinar a ele o que ele havia ensinado a ela: que a vida é entremeada de sofrimento. Que em todas as vidas, sem exceção, as doenças são inevitáveis. Que vamos envelhecer, e que não podemos enganar a morte. Essas são as leis e as condições da existência humana, U May havia explicado a ela. Leis que se aplicam a todos, em todas as partes do mundo, independentemente de como as coisas mudem. Não existe força que liberte uma pessoa da dor ou da tristeza que ela pode sentir dessa percepção – apenas ela mesma. E apesar de tudo isso, U May havia dito a ela muitas vezes, a vida é um dom do qual ninguém pode desdenhar. A vida, segundo U May, é um dom repleto de mistérios no qual o sofrimento e a felicidade são entremeados inextricavelmente. Qualquer tentativa de ter um sem o outro estava fadada a simplesmente fracassar.”
Eu nunca tinha ouvido falar do autor, Jan-Philipp Sendker, mas com certeza vou ficar aguardando mais obras, é sempre maravilhoso ler um livro que te da uma sensação leve e te inspira encontrar beleza e gratidão em pequenos atos da vida.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Resenha: "Starters" (Lissa Price)

Por Clarissa: Oi gente, tudo bem? Espero que sim. Bom minha indicação de hoje é “Starters” para quem gosta de ficção futurística, este é um bom livro.

Callie tem 16 anos, uma adolescente que perdeu seus pais quando a guerra de Esporos varreu todas as pessoas entre 20 e 60 anos. Ela e seu irmão Tyler, estão se virando, vivendo desabrigados com seu amigo Michael e lutando contra rebeldes que os matariam por uma bolacha. Callie tem que cuidar de seu irmão, que não está tão bem de saúde, e manter os três vivos até achar um jeito de viver em boas condições.

“Cruzei com alguns Enders que usavam jóias espalhafatosas e maquiagem em excesso. A medicina moderna podia facilmente estender a expectativa de vida dos Enders até 200 anos, mas não conseguia ensiná-los qualquer noção sobre moda ou senso estético.”

A única esperança de Callie é Prime Destinations, um lugar pertubado em Beverly Hills que abriga uma misteriosa figura conhecida com Velho. Ele contrata adolescentes para alugar seus corpos aos Enders- idosos que desejam ser jovens novamente. Callie desesperada pelo dinheiro que os ajudara a sobreviver, concorda em ser uma doadora. Mas o que parecia ser a solução é apenas o começo de grandes descobertas... E Callie terá que lutar para tentar sobreviver.

“Seus pais? Mortos.
Seu irmão? Doente.
Sua saída? Ser vendida para ser outra pessoa.
Em quem ela pode confiar? NINGUÉM.”

Bem Starters é uma estória bem intrigante, fãs de Jogos Vorazes e Hospedeira vão amar (eu \0/) e amante de distopia, em algumas partes lembra muito esses filmes. A leitura é bem fácil, têm algumas partes engraçadas, outras de mistério e desconfiança do mocinho, a leitura faz você entrar na estória e interagir junto com a personagem. O começo me deixou um pouco cansada, mas logo a estória vai se tornando surpreendente, você não vai conseguir para de ler, vai querer saber mais e mais para saber o que acontece com cada personagem. Price deixa muitas perguntas em aberto e o leitor querendo mais. Em algumas partes a autora deixou a desejar, como por exemplo, saber o que foi a Guerra de Esporos, sobre este assunto ela não menciona, e deixou perguntas sem respostas aos leitores. Mas são poucos os pontos negativos. 

O final é de deixar o leitor suspirando e falar WOW. O livro em geral é bem legal, a autora teve uma imaginação e tanto, em questão a personagem Callie, ela conseguiu colocar muitos sentimentos nela, e que faz o leitor sentir que está sobrevivendo com ela, Lissa passa toda essa influencia das emoções ao livro e aos leitores, a cada capitulo querendo saber mais qual o final desta trama. 

A editora Novo Conceito presenteia o leitor com esta capa maravilhosa e intrigante, a pessoa se apaixona só de ver a capa, e com os relevos nos circuitos e a cor metálica com os olhos azuis da garota, ficou esplendido. O próximo livro é o Enders, já foi lançado no Brasil. Lissa price com sua imaginação astuta colocou o nome Starters para jovens, porque em inglês a palavra Start significa Começo, e Enders para os velhos que em inglês a palavra End significa Fim.

Bem espero que tenham gostado desta indicação, e não se esqueçam de deixar seus comentários dicas e criticas. Beijos até a próxima!

Boa Leitura!

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Littera Feelings #20 – Pages de/para leitores

Oláaaaaaaa, galera que tá se perdendo e se encontrando na Bienal do Livro de SP, galera que só tá acompanhando, galera que tem prova de química (vai saber) por esses dias. Como estão nessa segundona? Já fizeram muitas compras? Bom, eu sou uma que só tá acompanhando o evento pelas redes sociais – e tô fugindo de links de promoções (rs) – então espero que estejam aproveitando bem (e por mim) esse festival de livros :)


Inspirada nos posts anteriores com listinhas e indicações (Littera Feelings 18/Littera Feelings 19), o point de hoje são as pages de/para leitores. Melhor dizendo, várias dicas de páginas para explorarmos com conteúdo feito por fãs e leitores voltado para os mesmos!

Acho que é uma verdade universalmente reconhecida que leitores, ao finalizar um livro e precisarem conversar sobre tal, vão procurar por leitores de leituras em comum. Assim, busquei por contas ativas nas principais redes sociais que fossem impessoais (ou compartilham conteúdos de modo impessoal) e que retratassem a vida literária pela ótica de leitor.

Enquanto seus pés doem de tanto perambular pelos estandes de livros e/ou vocês descansam de tanto trabalho ou estudo para aquela prova essa semana, me acompanhem nesse breve passeio pelas redes sociais...
FACEBOOK

SkoobO Skoob é a primeira e maior rede social (www.skoob.com.br) brasileira para quem gosta de ler

Leitora da DepressãoCompartilhando fatos revoltosos da vida de um leitor em depressão

Confissões de um LeitorTodo leitor tem suas manias e seus "segredos". Aqui é o lugar onde você pode confessá-los

Leitores AnônimosPara todos aqueles que procuram um cantinho para dividir seu vício por leitura

LeitoresFalamos de livros, de sagas e de filmes de livros

Grifei num livro – O Grifei num Livro é um projeto colaborativo que reúne trechos grifados de obras diversas




TWITTER

SkoobO Skoob é a primeira e maior rede social (www.skoob.com.br) brasileira para quem gosta de ler

Leitora da DepressãoCompartilhando fatos revoltosos da vida de um leitor em depressão

Grifei num livro – O Grifei num Livro é um projeto colaborativo que reúne trechos grifados de obras diversas

Mob(ilização) de Leitura – Ponto de encontro de quem curte ler bons livros


INSTAGRAM

Skoobprimeira e maior rede social brasileira para quem gosta de ler

Leitora da DepressãoCompartilhando fatos revoltosos da vida de um leitor em depressão


TUMBLR
(conheço pouco dessa rede social, então...)

Grifei num livroO Grifei num Livro é um projeto colaborativo que reúne trechos grifados de obras diversas


Espero que deem uma explorada e que gostem das pages. Conhecendo outras, só deixar logo mais nos comentários :)

Até o próximo post,


Kleris Ribeiro.
domingo, 24 de agosto de 2014

Resenha: “Arrabal e a Noiva do Capitão” (Marisa Ferrari)

Por Kleris: Oggi passeggiamo attraverso l'Italia napoletana! Si prega di consultare google traduttore. Voltarei a ressaltar esse ponto.

Arrabal e o capitão são irmãos gêmeos, vivem suas vidas de acordo com seus anseios, sem um tocar na imagem do outro. Arrabal é Giuseppe, um artista, um poeta, um ator da região, que encontra nas artes a verdadeira paixão de ser e viver; na outra figurinha, o capitão é Giordano, aquele mais sério, que preza pela lealdade e responsabilidade que é trabalhar na guarda real.

Com artimanhas, eles dão um jeito de nunca estar no mesmo lugar e assim evitar maiores desgraças para a família Romanelli – para o pai, Carlo, que nega a profissão (e presença) de Giuseppe; para a mãe, Gioconda, que sofre dos nervos. Ao que parece, algo desandou nessa família e separou os irmãos de vez. Isso até a trupe de teatro reaparecer na cidade na mesma época da volta da guarda real e Luigia Di Medinacelli se encantar por esses belos ragazzi.
Giordano não desviava dela os olhos, podia sentir. E então Luigia, desistiu de recuar. Desejava também ela olhar os olhos e foi o que ela simplesmente fez.
— Desculpe-me – Luigia iniciou, sorrindo – mas preciso lhe fazer uma pergunta.
— Se eu puder responder.
— Conheci um homem na semana passada... – decidindo ir direto á questão, perguntou: — O senhor tem um irmão gêmeo?
Giordano estacou. Luigia não compreendeu quando ele começou a rir de forma sarcástica. Ele novamente, ele pensou. Não adiantara permitir que ele vivesse a vida que desejava; não bastava protegê-lo com seu silêncio dos olhos do pai. Lá estava ele novamente se interpondo entre Giordano e o que de sincero pudesse desejar.
Acontece que as famílias queriam rearranjar Luigia – jovem, viúva e sem filhos – com Giordano, mas não podiam contar que ela teria suas preferências, seus ideais. Conhecera Arrabal, o poeta, numa noite que escapou para ver o teatro de praça, e então, sendo a única que o vira sem máscara, fica num dilema, pois também começa a gostar deste homem que lhe destinaram a marido.

Transportada para o século XVIII, fui arrebata por muitas personalidades napolitanas. Confundi várias delas até pegar o jeito de cada um. Com jeitinho e onisciência, Marisa vai nos apresentando a eles ao longo de toda a narrativa, pois cada um tem sua história e seu momento.

Por outro lado, houve outros instantes em que “me perdi”, mas não era por não reconhecer as figuras em cena ou mesmo por não entender os acontecimentos. Me senti sem foco. Embora tenha gostado muito da ambientação e das tramas paralelas, o ponto em que a Marisa queria chegar era muito nebuloso para eu adivinhar, as coisas aconteciam, revolviam, iam de um lado para o outro e eu não via onde ia dar. Foi estranho porque realmente parecia não ter foco a história. Parecia até que a principal era mal aproveitada. Parecia.

Aí a Marisa me pegou. Melhor, a mulher me derrubou!

Gostei bastante. Um livro pretensioso sem ser exagerado, rico em detalhes e histórias, dados seguros e pontuados. A desenvoltura é ótema e de diversas abordagens – máscaras pessoais e produções artísticas são os pontos altos.
— A máscara. Por que não a tira? Deve ser incômodo.
— Ah, a máscara... A máscara, claro! Não, marchesa, ao contrário! Esta máscara é, digamos assim, parte de mim. Estou tão habituado a usá-la que quando tenho de tirá-la é como se tivesse arrancando parte de meu rosto.  
Mas tem outra coisa que devo mencionar: a edição.
A capa faz parecer que é um romance histórico bem clichê, que resume a história em um triângulo amoroso de uma mulher e dois irmãos que não se gostam. Não dei muito por ter a figura da mulher na capa, acho que concentra esse clichê desnecessário ao contexto – minha opinião pode estar comprometida nesse sentido por eu não gostar da personagem Luigia (sou mais a Vitty), mas talvez isso também seja outros quinhentos.

O que me incomodou de verdade foram as passagens em italiano (e umas poucas vezes em francês). Longe de mim desmerecer o trabalho da Marisa e da produção nesse quesito, só acho que isso exige um pouco do leitor sem ceder um apoio. Eu sei que muitas pessoas não gostam de notas de rodapé ou explicativas, porém, nesse caso, acho que seriam bem necessárias.
Arrabal enlaçara Vittoria, suavemente, pela cintura. A marquesa podia sentir nele cheiro de flor, de terra molhada. Podia ver agora de perto seus olhos iluminados por entre as frestas da máscara, olhos de um azul mediterrâneo intenso. Era lindo, másculo, delicadamente sedutor.
— Só Arlecchino pode levá-la aonde deseja ir.
— Por que supõe que desejo ir a algum lugar? – articulou ela, com esforço.
— Está escrito em seus olhos. Pulsa em sua respiração – disse ele, começando a desfazer-lhe o laço do vestido. – Chi desidera sognare i miei sogni? Chi desidera i miei sogni da sognare? 
Nem sempre havia no texto corrido a tradução das expressões e por isso passei a leitura toda com um app do Google Tradutor do lado (o que não me garantia muito, vide a menção que fiz lá em cima). Para o contexto do livro, essas passagens eram um toque bem legal. Às vezes davam até uma impressão de ser traduzido.

É certamente um livro que eu gostaria de ler uma continuação, pois deixa uns panos pra camisa (não pontas soltas), mas ele como único, eu posso aceitar. Fica a dica, moça Marisa, vai que spin-offs calhem de vir. Adoraria saber de outras aventuras da trupe (saudades já) – principalmente da Vittoria (já disse que gostei mais da Vitty?) – e mais do destino sobre essa escolha que o livro guarda.

Deixe uma leitora sonhar...

Até a próxima o/



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Resenha: "A invenção das asas" (Sue Monk Kidd)



O barulho estava na sua lista de pecados dos escravos, que nós sabíamos de cor. Numero um: roubar. Número dois: desobedecer. Número três: preguiça. Número quatro: barulho. Um escravo devia ser como o Espírito Santo: Não se vê, não ouve, mas está sempre por perto, a postos.

Por Marianne: Confesso que rolou um bloqueio absurdo pra escrever essa resenha. Tudo o que eu escrevia ou montava na minha cabeça pra escrever não fazia jus a grandiosidade dessa obra de Sue Monk Kidd. Mas a resenha precisava sair então tentei o meu melhor pra convencer todo mundo a ler esse livro maravilhoso hahaha. Acho que é a maior que já escrevi, so sorry meus amigos, mas foi impossível resumir minha análise sobre A invenção das asas em poucas palavras.

'Por que a ideia de perfeição de Deus deve ser baseada numa natureza imutável? ’, perguntei. ‘A flexibilidade não é mais perfeita que a estagnação? ’.
Papai estapeou a mesa: ‘Se Sarah fosse um menino, seria a maior jurista da Carolina do Sul!’

Sarah Grimké é a caçula da família que vive em Charleston, no sul dos Estados Unidos do século 19. Ao completar 11 anos Sarah ganha de aniversário Hetty, uma escrava que tem a mesma idade de Sarah, para ser sua dama de companhia.
'Escravos, eu advirto vocês a se contentarem com seu quinhão, pois é a vontade de Deus! Sua obediência é ordenada nas Escrituras. É comandada por Deus através de Moisés. É aprovada por Cristo através de seus apóstolos e defendida pela igreja. Tomem tento, então, e que Deus em sua piedade lhes conceda que sejam prostrados hoje e voltem a seus mestres como servos fiéis.'

Apesar da pouca idade e de viver numa época totalmente escravagista Sarah recusa o presente por não aceitar o fato de outra pessoa como sua propriedade. Diante da negativa da mãe pela sua recusa do presente Sarah acaba tendo de aceitar Hetty como sua dama de companhia e tem a ideia mais genial que poderia lhe ocorrer: libertar Hetty. Através de uma carta de alforria Sarah deixa claro que Hetty é uma escrava livre e não mais propriedade da família Grimké. No dia seguinte Sarah encontra a carta rasgada na porta do seu quarto.  Afinal Hetty, pela lei, pertence ao pai de Sarah e a carta de alforria aos olhos da família Grimké foi só rebeldia infantil da filha caçula.

'Nossos escravos estão felizes', ela se orgulhava. Nunca ocorreu a ela que a alegria deles não era satisfação, mas sobrevivência.'

Hetty, mais conhecida como “Encrenca” por todos na fazenda dos Grimké, é filha de Charlotte, escrava costureira da família. Charlotte  é uma mulher simples porém muito à frente de seu tempo que tenta a todo custo transmitir a Hetty suas ideias de busca pela liberdade. Hetty por sua vez é uma personagem que engana a todos. Até mesmo Sarah não imagina a garotinha perspicaz que existe por trás de Encrenca, que se questiona sobre a conduta da sociedade que aceita que escravos sejam vendidos e torturados sem intervenção.

'Por que você pegou?'
'Porque eu podia'.
Aquelas palavras grudaram em mim. Mamã não queria o tecido, só queria causar confusão. Ela não podia ser livre e não podia dar na sinhá com uma bengala, mas podia pegar a seda dela. Você se rebela do jeito que pode.

Hetty e Sarah tem uma relação de amizade bem atípica. Quando crianças percebemos uma intimidade maior entre as duas, mas a medida que crescem desenvolvem uma familiaridade onde é notável que não são necessários palavras e gestos de apego pra nos mostrar que ali existe um grande laço de afeto.

Por essas primeiras narrações de Sarah e Hetty no livro podemos ter uma vaga ideia do tipo de mulheres que teremos pela frente, mas nada teria me preparado pra um dos enredos mais envolventes que já li na vida.

'Ou eu devia lhe perdoar por querer exprimir seu intelecto? Você é mais inteligente que Thomas ou John, mas é mulher, outra crueldade que eu não podia fazer nada para mudar.'

 A invenção das asas nos conta a história dessas duas mulheres (mais adiante no livro temos uma terceira mulher, mas eu chego lá) ao longo dos anos de uma maneira tão intrincada e angustiante que é IMPOSSÍVEL não nos envolvermos com seus impasses e histórias. Por vários momentos no livro Sue Monk conflita os dilemas de Sarah; mulher que frequenta aulas de etiqueta que a preparam pra ser uma boa esposa no casamento, proibida pelo pai de ler e sem a opção de seguir uma vida acadêmica,  com os dilemas de Hetty; mulher negra e escrava no século 19. Sue Monk faz isso sem em nenhum momento desmerecer a luta e tormento de nenhuma das duas personagens.

'Deus nos enche de todos os tipos de desejo que vão contra a normalidade do mundo. Mas o fato de que esses desejos com frequência não deem em nada, bem, duvido que seja obra de Deus’. Ela me penetrou com seus olhos e sorriu. ‘Acho que sabemos que isso é obra dos homens.'
A terceira mulher que conhecemos na história é a irmã mais nova de Sarah, Angelina. Ao descobrir que a mãe esta grávida Sarah implora pra ser madrinha de Angelina e acaba se tornando uma figura de apoio e orientação para a irmã.

O que essas três mulheres tem em comum é a constante indagação relacionada aos costumes da época. Por que existem tantas restrições impostas a mulheres e escravos, quem determinou que mulheres não podem ser juízas e escravos não podem andar livremente na rua sem uma carta de permissão?

Vamos acompanhando o desenvolvimento, amadurecimento e drama das personagens no decorrer dos anos. E a angustiante luta pra que fossem notadas, respeitadas, tratadas de igual para igual.

Quando Sarah se envolve mais diretamente na luta pelo fim da escravidão e decide levantar também a bandeira feminista, de igualdade entre homens e mulheres (que já é um “absurdo” pra muita gente hoje, imaginem no século 19) nos deparamos com um dos trechos mais interessantes do livro. Sarah e Angelina são confrontadas diretamente por homens que, até então, aprovavam e as acompanhavam em seus discursos anti escravagistas, e agora advertem as moças que calmaê moças, lutar pelos escravos ok, mas aí vocês querem lutar pelos direitos das mulheres também , aí já é demais!

Sem intenção, provocamos um alvoroço no país. A questão das mulheres terem certos direitos era nova e estranha e ridicularizada, mas, de repente, estava sendo debatida por todo o estado de Ohio. Eles chamavam minha irmã de Diabolina. Batizaram-nos de “incendiárias femininas”. De algum modo, tínhamos acendido o estopim.
O livro é uma mistura eventos históricos da época, como a temida revolução dos escravos que até hoje muitos não sabem se realmente foi planejada e a existência da casa de trabalho que era utilizada pra torturar escravos, e pessoas que não apenas existiram como contribuíram para que muitos dos eventos descritos no livro acontecessem. E a surpresa mais agradável de todas ao fim do livro, nas notas da autora: Sarah Grimké realmente existiu, e com ela toda a sua história. A autora deixa claro que através de pesquisas e relatos do diário da própria Sarah criou a personagem e lógico tomou liberdade de usar um pouco a imaginação.
'Dar as costas pra nós mesmas e ao nosso próprio sexo? Não queremos que o movimento se divida, claro que não. Entristeço-me ao pensar a respeito. Mas pouco podemos fazer pelo escravo enquanto estivermos sob os pés dos homens. Façam o que precisam fazer, censurem-nos, retirem seu apoio, continuaremos firmes de qualquer maneira. Agora, senhores, gentilmente tirem seus pés de nossos pescoços!' (Sarah Grimké)

Sarah Grimké teve um papel muito importante na história do feminismo e na luta pela abolição e é incrível poder conhecer um pouco do que foi essa história, ainda que com um “toque” de ficção. Um de seus últimos atos de “rebeldia”, ainda segundo as notas da autora, foi uma caminhada debaixo de neve em 1870 em direção a urnas simbólicas onde foram depositadas cédulas eleitorais. Isso em 1970, época em que mulheres sequer eram cogitadas a dar palpite na política, é muito amor essas irmãs Grimké!

'Angelina, considero você uma amiga, das mais caras, e me tortura ir contra você, mas agora é o momento de se levantar pelo escravo. Chegará o tempo de tratarmos a questão da mulher, mas não por enquanto.’
‘É hora de tratar o direito de alguém quando este lhe é negado!'
Sabemos também pelas notas da autora que Hetty de fato existiu e foi dada de presente a Sarah, mas toda a história que foi criada para a personagem foi imaginação de Sue Monk Kidd, que buscou na personagem uma maneira de dar voz aos escravos da época.
Foi um livro que ficou nos meus pensamentos por muitas semanas (e ainda está) após a leitura.  Está mais do que recomendado, está no cantinho de favoritos da minha estante e eu espero que entre pra de vocês também.

Beijos e até a próxima!

As senhoritas Grimké fazem discursos, escrevem panfletos e exibem-se em publico de maneiras não femininas há um tempo, mas não encontraram maridos. Por que todas as solteironas são abolicionistas? Por não serem capazes de arrumar um marido, pensam que podem ter chance com um negro, se ao menos conseguirem colocar a miscigenação em moda...


 
Ana Liberato