segunda-feira, 23 de março de 2015

Littera Feelings #29 e Clarice Lispector – Entrevista de Leitura #4

OLAAAAAÁ :)

Como estamos nas leituras, hein? Pra quem não era de muitas metas, até que estou conseguindo estabelecer e seguir algumas \o/ Mas vamos ao especial do dia, temos duas convidadas para nossa primeira entrevista de leitura do ano!


Aqui no Littera gosto de, além de trazer temas para discutir com vocês, convidá-los para um papo sobre suas leituras. Dessa maneira, partindo de uma leitura específica, o espaço de entrevista propõe um jogo de perguntas que pretendem trazer à baila perspectivas que nos mostrem os bastidores de uma experiência de leitura.


Já tivemos um encontro com Hemingway, Kafka, Érico Veríssimo e hoje saudamos Clarice Lispector, mais uma modernista brasileira!

De relembrete, vão aí os requisitos para quem gostaria de participar de uma entrevista aqui no Littera:

Leitura de um clássico da literatura (nível mundial)
Leitura recém-finalizada
Não valem releituras


~~~~~~~~~Vamos conhecer mais de nossas convidadas?~~~~~~~~~~~


No microfone de leitor apresento...

  Recém-formada em Letras/Literatura, mãe, blogueira (resenhista/colunista/escritora) e MUITO leitora.

Aos 5 anos aprendi a ler. Aos 10, quando a mamãe não dava conta de comprar livros e gibis infantis que acompanhassem o meu ritmo frenético de leitura, comecei a ler os clássicos que minha avó tinha e que hoje são meus, estão velhos e despencando, mas a memória afetiva neles envolvida não dá pra substituir. A partir daí, virei um caso perdido mesmo. Hoje em dia leio de tudo: clássicos, contemporâneos, estrangeiros e nacionais – de Chico Buarque a Harry Potter... e sinto uma necessidade daquelas de dizer o que penso a respeito do que leio. Sonho em um dia, quem sabe, seguir carreira na área editorial e enfim dizer: - Vivo daquilo que amo.

Busco na leitura diferentes visões de mundo, por isso penso ser tão aberta a diferentes estilos literários, porque enxergo que cada um tem algo a acrescentar, mesmo que seja a leveza da distração momentânea em um dia difícil. E que por mais que determinado segmento literário não faça muito a sua cabeça, ele é a manifestação artística de alguém, e assim deve ser encarado.

E na bancada de leitura encontra-se...

A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.



Dados complementares

Edição (editora e ano de publicação): Rocco, 23ª edição, 1993.
Época de enredo: século XX.


~~~~~~~~~~~~~~Eis Milena e Clarice! ~~~~~~~~~~~~~~
meus comentários estão em itálico


Conte para nossos leitores as suas perspectivas iniciais sobre o livro e a história que A Hora da Estrela apresenta.
Bem, esse não é um livro fácil de ler. Em algumas edições há um longo, porém válido, prefácio. E a questão do narrador criado por Clarice Lispector é outro elemento instigante... Rodrigo narra Macabéa e sua vida vazia, mesclando desprezo, indignação e curiosidade, de como alguém consegue viver da forma de Macabéa.
A minha perspectiva inicial foi de que a falta de história pessoal de Macabéa é um grito de alerta para todas as mulheres, para que não acabem como ela. E não é uma obra machista, como já li em algumas críticas.

Uma coisa interessante de fato mesmo é o Rodrigo S.M., o narrador. Acho que ele via a dura realidade de uma pessoa inocente como a Macabéa, que tinha gente que vivia mesmo daquele jeito...

O que te levou a A Hora da Estrela por agora? Já havia lido algo de Clarice Lispector antes?
Eu já havia lido faz um tempo, mas fora no primeiro período da faculdade para uma disciplina chamada Modernidade e Literatura Brasileira. Achei confuso, porém muito original. Daí no último período foi solicitada a leitura para outra disciplina, Literatura Comparada, e a impressão que tive da obra foi tão além da que tive na primeira leitura.
Um novo olhar, sabe, as questões filosóficas propostas por Rodrigo já não me soaram tão sem pé nem cabeça. Senti juntamente com ele as agonias pela ingenuidade excessiva de Macabéa e a indignação pela falta de atitude.
Foi a primeira obra da Clarice que li, mas quero ler outras. Só que são daqueles livros para se ler com calma, degustando, voltando as folhas em alguns momentos.
Professores diferentes solicitaram a mesma leitura, numa diferença de três anos. E eu resolvi reler, porque imaginei que me “diria” coisas diferentes.

Nesse momento percebemos as duas (eu e Milena) que estávamos falando já de uma releitura, que, segundo os requisitos da coluna, não vale hahaha Mas sem problema, embora a Milena tivesse outro livro de primeira viagem para propor, abri essa exceção porque estava curiosa sobre essa experiência de leitura, afinal, Clarice é Clarice, a chamada esfinge divide opiniões... Por que não, né?

O que diria sobre seu avanço na leitura? De que maneira a escrita ou a narrativa da autora influenciou nesse quesito?
Eu sou uma pessoa que lê rápido, dificilmente demoro lendo uma obra, mas esse... rsrs Me desconcertou. Demorei porque tinha momentos em que eu lia e refletia, e não conseguia chegar a uma conclusão. Daí eu voltava a página e lia novamente.
Acho o traço estilístico da Clarice muito particular e a narração de Rodrigo não nos esclarece muito, fora os momentos do choque pela rispidez dele ao falar de Macabéa... Tinha horas que eu sentia tanto pela ela. Pensava nos “e se...”. E se Macabéa tivesse encontrado uma única pessoa em seu caminho que a esclarecesse. E se não tivesse sido criada da maneira que foi, imersa na ignorância e no desamor, e se não tivesse ido à cartomante.

Acho que principalmente pela desconstrução narrativa da Clarice as pessoas sentem essa dificuldade. Você chegou a ver o filme? Já não lembro muito, mas dava essa empatia pela Macabéa. A ingenuidade dela ficava bem à mostra.

Sim, eu vi... Fiquei angustiada. E o mais engraçado, a história não saía da minha cabeça (rsrs) Lembro que eu fazia um curso na área nobre da minha cidade e na hora que eu fui atravessar a rua, uma Mercedes estava parada no sinal (rsrsrs) Ri sozinha e esperei a Mercedes passar, preferi não correr o risco.

Hahahahahahaha entendedores entenderão XD
Tem uma cena que ela está muito perto do metrô, se não me engano, aí um policial pede pra ela se afastar, pra evitar uma queda, e ela diz “o senhor me desculpe”. Ela falou isso outras vezes mais no filme, era outra marca dessa ingenuidade dela, que baixava a cabeça e acatava simplesmente o que lhe diziam. E de alguma forma era feliz.

Pois é... Rodrigo a chamava de “doce obediente”.

E sobre a história, o que você achou do desenvolvimento? Personalidades, ações, ideais?
Tem uma parte que me deixou bem chocada: “Essa moça não sabia que ela era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz”. Vejo como uma obra que tem por fio condutor as questões filosóficas individuais, que refletem e determinam a forma como o coletivo vê a cada um de nós.
Porém, as misérias dos demais personagens não são diferentes da miséria de Macabéa. Olímpico de Jesus era tão alheio a alguns saberes quanto ela, porém, a postura que ele tinha mediante as situações e a forma como nutria ambições faziam dele uma pessoa que, apesar de tão miserável quanto Macabéa, era muito mais autônoma.

É chocante a descrição do Rodrigo, e ao mesmo tempo verdadeira.
Lembro do Olímpico como alguém da mesma situação da dela, mas alguém que tinha ambições mais. Macabéa era bem conformada com o que tinha, apesar de seus sonhos.

É que a ingenuidade de Macabéa veio do vazio, da ignorância com a qual foi alimentada. Já Olímpico teve um padrasto, que no livro fala, que lhe ensinara boas maneiras para poder enganar as pessoas e para pegar mulher (rs).

Houve algum momento marcante entre você e a leitura? O que diria ser uma repercussão positiva e uma repercussão negativa em A Hora da Estrela?
Muito marcante pra mim é a questão dessa ausência emocional da Macabéa. Essa coisa de viver sem saber pra quê. Penso que é porque entra em conflito diretamente com a minha personalidade. Desde muito nova busco construir minha identidade. Não aceito muitas coisas e já perdi por isso. Mas também adquiri valores que são as diretrizes da minha vida. E confesso que quando me deparo com algum(a) Macabáa, fico aflita por ele(a). Nada pior do que não saber quem somos.
A positiva sem dúvidas é o convite à reflexão que a obra em si traz para o leitor, tanto nas questões filosóficas quanto na questão de estrutura sintática e semântica da escrita da autora. A negativa é que tamanha densidade faz com que muitos desistam da leitura, infelizmente... E acho bastante difícil que se consiga compreender a obra sem uma bagagem de leitura prévia. Alguns leitores vão persistir nele, enquanto outros vão colocá-lo na prateleira dos “confusos demais” e vão perder uma leitura única. Que nem sempre agrada, mas, é válida.

É mais ou menos nisso que fica minha relação com Clarice. Fico tentando entendê-la como a esfinge que dizem, e ela não me dá muita brecha (rs http://www.dear-book.net/2013/11/littera-feelings-5-unnamed-feeling.html). Tenho admiração por ela, mas é como gostar da ideia dos livros, só não da maneira como leva.

Você consegue imaginar como a protagonista seria se ela vivesse o nosso tempo? O que seria de Macabéa nesse mundão da internet?
Acho que das duas uma, 8 ou 80: ou a Macabéa seria engolida ou então seria uma dessas que causam muito na internet pela total falta de noção. Porque no livro ela se esconde, mas a internet dá voz pra quem quiser, sem dar a cara a tapa de verdade.
Já pensou a Maca fazendo aqueles virais? (rsrs)

Bem capaz!

Se você pudesse entrar no universo da trama, quem você gostaria de ser (não necessariamente um personagem da Clarice) e o que faria por lá?
Ai, que pergunta difícil! O livro é o que é porque não é mais e nem menos... Mas também não iria ver Macabéa passar por mim sem que ao menos tentasse ensiná-la algumas coisas (rsrs). Assim, eu gostaria de ser uma colega de trabalho que a consolaria por causa de Olímpico. Aproveitava e dava uma bela sacudida na Macabéa... E consequentemente acabaria com a razão de ser do livro (rsrs).

Hahahaha ou daria chance para ser outra estrela... Outro tipo de estrela.
(Novamente, entendedores entenderão XD).

Nem tinha pensado nessa possibilidade!

Há alguma música (ou banda) que venha à mente quando você pensa na história, na Clarice ou mesmo no universo da Estrela?
Só a Rádio Relógio (citada no livro). Acho que o mundo da Macabéa era sem som.

Tadinha.

Pois é, me dava uma pena, mas...

Tem algum trecho que te conquistou bastante e queira dividir conosco?

“Ela me incomoda tanto que fiquei oco. Estou oco dessa moça... Como me compensar? Já sei: amando meu cão que tem mais comida do que a moça. Por que ela não reage? Cadê um pouco de fibra? Não, ela é doce obediente.”

“... ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando... O seu viver é ralo.”

Esses dois para mim foram os mais marcantes porque me chocam.

Para finalizar: o livro é legal, mas...?
É só para os fortes, principalmente os de estômago, porque a inércia de Macabéa chega a ser nauseante.

Hahaha melhor definição!
Eu brigava com Rodrigo, com Macabéa. Ou com Clarice.
Encarar Clarice não é para qualquer um.

Sério (rs). Achei meio clichê, mas não consegui pensar em outra coisa (rsrs) E de verdade, tinha hora que esse livro me irritava tanto que me dava vontade de dar uma cusparada daquelas bem feia nele haha. O prefácio dizia “alguns têm pobreza de dinheiro e outros de caráter” – (rsrs) sente o drama. Mas bom também, fala que a nossa consciência ao mesmo passo que é fator de libertação também é de aprisionamento, e fala muito do ato de escrever.

~~~~~~~~~~~//~~~~~~~~~~~

E aí, o que vocês dizem da tia Clarice? Ou mesmo do livro da entrevista?

Conhecida como aquela que dá atenção ao íntimo do ser (através do fluxo de consciência) para dar a sensação de que podemos acompanhar exatamente o passo a passo da cabeça do personagem, não à toa viraliza fácil com outros memes que focam nos pensamentos ligeiros nossos dos dia a dia. Epifanias (momentos de revelação) então, nem se fala!


Dona de muitas frases espalhadas pela internet (e até das que não lhes pertence na realidade...), Clarice foi um dos destaques do terceiro momento do Modernismo Brasileiro. Nessa fase tivemos um desapego às circunstâncias exteriores e uma valorização da palavra e do texto, o que contribuiu para tornar alguns escritos difíceis de serem compreendidos. Lispector, nesse sentido, tem seus lovers, tem seus haters, e tem seus meios termos. É, por certo, uma escritora inquietante.

Além de crônicas e livros infantis, escreveu

(romances)

Perto do coração selvagem (1944); O lustre (1946); A cidade sitiada (1949); A maçã no escuro (1961); A paixão segundo G. H. (1964); Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969); Água viva (1973); A hora da estrela (1977).

(contos)

Alguns contos (1952); Laços de família (1960); A legião estrangeira (1964); Felicidade clandestina (1971); Imitação da rosa (1973); A via-crúcis do corpo (1974).

A Hora da Estrela é um dos livros mais conhecidos e foi o último escrito antes de morrer. O livro teve doze outros títulos até se firmar em A Hora da Estrela. (leia mais sobre isso neste artigo, página 2).


Habemus Filme! E Habemus Série!


De 1985, o filme tem no elenco Marcélia Cartaxo, José Dumont, Fernanda Montenegro e Tamara Taxman. Sobre ele que comentamos nesta entrevista. O trailer vocês podem ver aqui e há um canal do Youtube que disponibiliza filmes antigos brasileiros :)

Nossa tv também fez especiais. Em 2003, Regina Casé e Wagner Moura apresentaram uma pequena série chamada Cena Aberta que focava em desconstruir uma história e mostrá-la de maneira mais panorâmica, como um documentário que enfatiza testes, produção, pesquisa e roteiro literário. O episódio sobre A Hora da Estrela vocês podem ver aqui (contém spoilers!).

Já em 2013 tivemos um quadro no programa Fantástico da Tv Globo, uma série inspirada nas crônicas da autora. No elenco de “Correio Feminino”, estão as atrizes Maria Fernanda Cândido, Luiza Brunet, Alessandra Maestrini e a top model Cintia Dicker. Para acompanhar episódios e extras, só clicar aqui.

Espero que os leitores tenham gostado. Eu e a Milena curtimos muito esse bate-papo!
A propósito, obrigada pela participação, Milena!


Interessados em participar de uma entrevista, dentro dos citados requisitos, só mandar nome, um contato de rede social (FB ou twitter), o nome do livro e do autor para marykleris@hotmail.com, assunto Littera Feelings.


Até o próximo post,

Kleris Ribeiro.

2 comentários

  1. Olá!

    Haha, adorei a coluna ainda mais com essa incrível escritora em pauta. rs
    Li esse livro ainda esse ano e também acho que a coitada da Maca seria engolida por esse mundo globalizado. rs

    Beijo,

    Samantha Monteiro
    http://www.wordinmybag.com.br/

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    Respostas
    1. Talvez não houvesse outro destino mesmo... senão "a hora da estrela" rs

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Ana Liberato