quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Interrogação #6 – Uma busca incessante dentro da leitura

Com Sheila Shildt, resenhista da casa


Interrogação é uma coluna do Dear Book que recebe convidados para refletir o nosso momento enquanto ideias, hábitos, panoramas e manifestos culturais. A cada post, uma pergunta e uma opinião. Todo o conteúdo de resposta é de responsabilidade dos convidados. Sem periodicidade fixa, a coluna é organizada pela dear boss, Kleris Ribeiro.


Dentre tantas leituras, o que você diria que mais busca nas histórias?

S: Estou enrolando para escrever para esta coluna há bastante tempo. Em primeiro lugar, por que estou passando por uma bad literária terrível! Muita dificuldade em ler mais que vinte páginas, logo eu que lia um livro de 300 páginas em poucas horas... Em segundo lugar, escrever é sempre algo que me deixa insegura e mobiliza muita ansiedade. Conseguirei ser coerente? Explicar de fora clara os zilhões de pensamentos e ideias que habitam minha cabecinha? As pessoas vão adorar, deletar ou – horror dos horrores! – ignorar por completo?

Divagações à parte, minha pergunta parecia quase irrespondível: como assim o que eu busco em uma história? Como explicar sem ter de construir uma tese dissertativa de mais de duzentas páginas? Ou, ao contrário, cair na tentação imensa de ser por demais evasiva, simplista, resumindo minha atratividade pela arte escrita como a busca por mero entretenimento vazio, que interrompa o pensar, que às vezes pode ser angustiante?

De toda forma, assim como nos parágrafos anteriores, o que me tomou por completo foi justamente o clamor da indagação: por que leio? E por que leio o que leio? E o que me leva a gostar de determinado gênero/autor/estilo narrativo e desgostar de outro? Entendem como foi complicado? De “vamos escrever uma coluna para o blog” passei para “vamos falar um pouquinho sobre a Sheila” e isso foi totalmente A-P-A-V-O-R-A-N-T-E. Sou psicóloga e, numa profissão como a minha, estou habituada a revolver o mais íntimo de cada ser humano que me procura, mas, fora do meu espaço de terapia individual, nunca ou quase nunca pratico esse exercício.

Assim, demorei um pouquinho para começar a escrever, mas, eis o resultado de minhas reflexões, e espero tentar soar minimamente coerente e acessível.

A primeira coisa é que me dei conta do quanto minha busca pela literatura era ditada pelo comodismo. Sim, comodismo. Eu lia sempre os mesmos autores, ou mesmo gêneros e, apesar de ser escritora também, confesso que nunca me sentia atraída por livros escritos pelos meus conterrâneos tupiniquins. Resenhar pelo blog me fez adentrar um mundo completamente novo, de autores que eu nunca, jamais teria conhecido de outra forma, e gêneros que fugiam ao que eu usualmente procurava.

Há várias questões clichês que podem ser ditas como a principal atratividade para a leitura de um livro: narrativa coerente, personagens bem desenvolvidos e uma trama bem elaborada. Eu, particularmente, me sinto atraída pelas leituras com um ar de mistério, em que a verdade vai sendo dita aos pouquinhos, e com finais fora do usual. Gosto de sentir o impacto da obra, daquelas em que, ao término, precisa-se de pelo menos alguns dias para que a pessoa se recupere e pense em iniciar um novo.

Mas – e aqui preciso dar uma “puxada de sardinha” – acredito que o que realmente faz de um livro algo memorável é a forma como a trama consegue de alguma forma entrar em contato com os conflitos inconscientes daquele que lê, possibilitando uma identificação projetiva com o conflito enfrentado, seja pelo personagem principal em sua jornada, seja a ideia por trás da trama em si.

Para aqueles livros que se tornam clássicos, ou que simplesmente tornam-se um ícone entre toda uma geração de leitores, acredito que há uma temática central, quase arquetípica, que responde aos sonhos e angústias enfrentados por uma grande parcela de pessoas, seja por atingir um medo/anseio primordial, seja por estar em consonância com questões socioculturais vigentes na época de seu lançamento.

É por isso que alguns ditos “clássicos”, por mais que tenham se tornado o grande sucesso de um tempo, são as vezes tratados por descaso pelos jovens ou pela geração seguinte: já não são mais os mesmos conflitos, já não há mais identificação seja com os personagens, seja com a trama. Da mesma forma, há tramas que lidam com complexos tão profundos e universais, que se tornam quase imortais, angariando leitores de todas as idades e épocas.

Por fim, acabamos sendo assujeitados duplamente ao nos depararmos com qualquer tipo de escrito: em primeiro lugar somos assujeitados à construção subjetiva que nos é inerente, provinda de nossa história particular, que nada mais é o somatório de cada milissegundo de vida que tivemos desde o nascimento, até o momento presente; em segundo, somos assujeitados ao zeitgeist de nosso tempo, um termo que serve para exemplificar o conjunto do clima intelectual e cultural da época prevalente no período em que vivemos.

Claro, que também temos o poder de sermos agentes transformadores, tanto ao assumirmos um papel ativo na construção de nossa história, ao tornar conscientes nossas motivações encobertas e recalcadas, e adotar estratégias de enfrentamento ao nosso “eu” muitas vezes sabotador; bem como ao entendermos e questionarmos o zeitgeist, através de uma posição histórico-crítica diante da realidade em que vivemos.

Mas isso é assunto para (quem sabe) outra coluna.

Abraços e até a próxima!


Sheila Schildt nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1987. Graduada em Psicologia, trabalha na área da Psicologia Clínica em Viamão. É resenhista no blog
Dear Book, onde começou a publicar seus primeiros contos. Como contista, participou das antologias “Névoa” e “Sopa de Letras” pela editora Andross; “Sonhos e Pesadelos” pela editora Aped e “Solarium 3” pela editora Multifoco. Ficou entre os 20 primeiros selecionados do “1º Concurso de Contos Aparício Silva Rilo” (2013). Recebeu Prêmio de Melhor Contista 2013 pela Mágico de Oz (Portugal). Publicou seu primeiro livro “Sangue na Lua e outros contos” em 2014 pela Editora Alcance. Atualmente trabalha na escrita de seu segundo livro de contos “Pesadelos Diurnos”.
Contato com o autor: schildtpsico@gmail.com

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Ana Liberato