quarta-feira, 11 de maio de 2016

Resenha: “Primeiro e Único” (Emily Giffin)

Tradução de Amanda Moura
Por Kleris: Se você espera virar essas 450 páginas num sopro, esqueça; Primeiro e Único é um livro que te pede paciência e tempo para uma boa experiência de leitura. Acredito muito nessa máxima de ter momentos para cada livro e com esse da Giffin eu me arrisquei, visto que tava numa ressaca sem quê, nem pra quê. Era um risco bem consciente e, olha, parece que eu tava precisando mesmo de uma leitura razoável como esta. Vai sair uma resenha grande, porém necessária.

Shea está “estagnada” em sua vida. Pra ela está tudo bem, na medida do possível, pois as coisas aparentam estar onde deviam estar: ela vive uma vida mediana, com um emprego que lhe garante uma visão privilegiada de sua maior paixão (o futebol americano), o pagamento não é lá essas coisas, mas é algo e Shea se sente confortável quanto a isso, assim como em outros aspectos de sua vida – familiar, amorosa e pessoal.

Quando a mãe de sua melhor amiga (Lucy) morre, que as famílias parecem se abraçar para lidar com a perda da senhora Carr, é que todo o ambiente antes conhecido começa a mudar sem que ninguém perceba, sem falar que uma antiga admiração começa a palpitar o coração de Shea. Ao que tudo indica, não é só amor por futebol e nem só respeito pela figura máxima do time, há algo mais quando se trata do treinador Clive Carr, agora viúvo. Em meio a esta nova tensão, Shea se esforça para mudar sua vida e, quem sabe, sufocar sentimentos que não deviam estar aflorados.

Em Primeiro e Único, a trama ocorre muito “na sugestão”: as coisas acontecem e somos nós, os leitores, que temos de presumir o que está se sucedendo, ler comportamentos. Os personagens também sentem isso, eles ficam um pouco perdidos entre climas e fatos subtendidos e ninguém realmente fala a respeito. Giffin tem uma super segurança de fazer isso, de soltar pistas e de magistralmente estourar na hora mais (in)oportuna. Acho que é aqui que muitos leitores acabam abandonando a leitura, vez que isso ocorre de forma lenta na história, mas com paciência na dose certa, a gente percebe que Giffin quer nos mostrar algo e é interessante “parar” nosso usual ritmo para deixar que ela fale.

Não quero entrar muito em detalhes sobre a mensagem subtendida da autora, porém, há pontos que valem ser levantados, principalmente por estarem tão à flor da pele nesta década que vivemos: relacionamentos abusivos (familiar e amoroso), violência doméstica e psicológica, sexismo no esporte e feminismo. Giffin me pareceu voltar ao Realismo (o movimento literário) ao tratar desses temas – ainda mais por ocorrerem com um toque de “normalidade que não devia ser normal” e com muita descrição de cena. Mais uma vez ela foi magistral, pois enquanto se embrenhava no cotidiano do futebol americano, lá estava ela desenterrando problemáticas tão escondidas e silenciadas pela sociedade.

Imagino que tenha sido uma decisão difícil optar por uma história dessas – lenta, porém rica (em dilemas, problemáticas e ideologias) – semelhante ao que pensei quando li Simplesmente Acontece (resenha aqui) da Cecelia Ahern. Só que, ao contrário da Ahern em sua sucessão de recadinhos, conversas longas e miúdas, Emily aqui se utilizou de situações amenas para acompanhar uma temporada de futebol, se detendo mesmo a mostrar coisas que acontecem por debaixo dos panos.

Acompanhar essa “saga de sutilezas” pra mim foi como assistir uma minissérie de drama de uns 16 episódios (fiz inúmeras pausas, lendo pouco a pouco). É daqueles livros que a gente começa e sabe que vai demorar para as coisas acontecerem, e elas acontecem e acontecem sem nem quase percebermos. Inclusive, se despedir desses personagens tão “reais” foi difícil, já estava me acostumando a vê-los regularmente. 
[...] — Está com fome?
— Estou sempre com fome. Sou a sua filha que sente fome de verdade. É assim que você pode nos diferenciar — brinquei, esperando que o comentário soasse mais autodepreciativo do que sarcástico [...]
Meu pai deu risada, e eu notei o quanto ele parecia diferente hoje. Mais relaxado e natural.
— Há outras diferenças entre as minhas duas filhas — ele comentou, tomando mais um gole de café.
— Sim, acho que sim — concordei, listando algumas delas na minha cabeça, influenciada pelo meu sentimento de inferioridade de sempre.

Várias de suas ações ficaram na minha cabeça por dias e falar aqui sobre eles me demandou tempos para arrumar meus argumentos... porque basicamente tudo que eu pensava a respeito, sobre apontar pontos negativos e positivos, se misturaram bastante. Giffin escreve essa história de uma maneira que até os negativos, sob certas perspectivas, se tornem positivos – como a questão do ritmo lento, as conveniências e inconveniências das situações, os clichês e algumas de suas quebras, dentre outros. Tudo isso bem salta das páginas a olhos miúdos para demonstrar a transformação das personagens. 
[...] Lucy apareceu no corredor com sua mente acelerada processando cada detalhe.— Onde você estava? O que é isso? — interrogou ela, olhando para o meu presente.
— Lá fora. Foi seu pai quem meu deu.
[...] mas eu a conhecia o suficiente para saber o que estava pensando: que ele tinha feito todo o esforço para arranjar um presente para mim e tinha se esquecido completamente do aniversário dela. Senti uma pontada de culpa quando ela pegou o pacote e voltou para a festa.

Com certeza você vai odiar um punhado de personagens e muito provavelmente a própria Shea, que é essa persona confusa e até ingênua e, como a sociedade, acostuma-se com coisas “novas” com certa dificuldade. Há muita coisa dela que hoje vejo como ruim; por outro lado, todos já fomos um pouco Shea na vida e nossa esperança é que ela aprenda a ver as coisas como verdadeiramente são – e principal, como não deve ser atropelada pela opinião dos outros que acham estar fazendo o bem (e não estão), nem dar espaço, mesmo sendo aquela pessoa mais importante, para controlar sua vida. Como diz a capa, a lealdade e a confiança são postas à prova e Shea é essa heroína não convencional que precisa acordar para não mais viver empurrando com a barriga – e assim evitar mil e umas inconveniências. 
Àquela altura, todos resolveram me colocar contra a parede. Ou, mais precisamente, colocar Miller, que não estava ali para se defender, contra a parede. Eram minha mãe, Lucy, Neil versus Miller – uma disputa provavelmente injusta –, todos ali dizendo, de diferentes maneiras, que Miller não era bom pra mim. [...] Eu odiava ver minha vida sendo dissecada, especialmente na companhia de pessoas diferentes, mas levei o papo adiante, quando me ocorreu que aquilo poderia ser uma excelente distração para todos.

Enfim, o livro, como veem, é de gerar muitas discussões; é impossível se deter a só uma coisa nele. Se a autora fosse enxugar a história, ela por si só não se sustentaria. A trama pode até ser sobre o coração – como próprio sugere o título – mas Giffin vai bem além. É um bom livro, só não é talvez a melhor entrada para os trabalhos da autora. Se eu soubesse antes, levaria para uma viagem longa, diminuindo as pretensões sobre a leitura. 
— Bem, você tem um emprego maravilhoso... e esse namorado incrível, famoso... mas... está feliz?
[...] — Sim, estou feliz. Por quê?
— Ah, sei lá. Só tenho a sensação de que... — Ele fez uma pausa, depois pigarreou e tentou de novo. — Eu deveria estar preocupado com você?Eu fiquei confusa, depois comovida, e em seguida fiquei tão aborrecida comigo mesma por ter me comovido assim facilmente que cheguei a considerar a possibilidade de contestá-lo: Droga! Sim, mas é claro que você deveria estar preocupado comigo. É assim que os pais deveriam se sentir. Por toda a vida e a todo momento. Sempre preocupados com suas crias.
Em vez disso, respondi:— Não, pai, não deveria.

De considerações finais, deixo meus parabéns à editora Novo Conceito por todo o bom trabalho na edição, mais precisamente em questão textual: há notas de tradução (!) e o texto é bem explicativo quanto a se fazer compreender a trama envolvida no futebol. Você pode muito bem pular essas partes sem muitas perdas, já que é uma cultura bem diferente da nossa, mas achei interessante que a editora teve esse cuidado para com os leitores.

Se você ainda não leu, recomendo que segure o livro na estante até aparecer o momento certo; mas se já fez a leitura de P&U, diga lá o que achou, se abandonou (ou teve muita vontade) e se agora repensa na história após os citados pontos da resenha ;)


Até a próxima!


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Ana Liberato